Venho aqui concluir missão inconclusa. Porque de fato minha mãe Zuzu Angel deixou por concluir a sua penosa missão. Ela permanece encarcerada nos ferros retorcidos de seu Karman Ghia, no desespero de sua voz engasgada e de sua denúncia calada sobre os interesses dos grandes conspiradores, que levaram o país, naqueles anos, àquela situação opressiva com o custo das vidas e do sofrimento de tantos.
Afinal, somos um país de conspirações e conspiradores. Apesar de que se convencionou dizer que no Brasil não há conspirações. Estabeleceu-se como politicamente correto que as conspirações são alegações de ingênuos e tolos, quando, ao contrário, somos isto sim um país de cegos que se recusam a enxergar o óbvio e são induzidos a isso.
Duas vezes investigado o acidente em que morreu minha mãe, Zuzu Angel, por comissões criadas pelo Governo do Brasil, duas vezes ele foi confirmado como tendo sido um crime de assassinato, por agentes do Estado. A Comissão da Verdade , a mais recente, foi mais longe: o coronel Freddy Perdigão, fotografado no local, respondia diretamente ao gabinete do ditador Geisel,conforme depoimento de Claudio Guerra, agente do Dops.
Contudo, ainda hoje, grandes colunistas e órgãos de imprensa, mesmo os que deram cobertura aos resultados das comissões, ainda repetem, como um cacoete, que Zuzu “morreu em acidente obscuro de causas ainda não esclarecidas”. A verdade parece não interessar nem convencer ao establishment.
Mas o Brasil não acredita em conspirações. Assim como não acreditou quando, no crepúsculo dos governos militares, quando saíamos deles derrotados, acabrunhados, vencidos, a ponto de engolir a Anistia bi-lateral, também aceitamos a eleição indireta com a esdrúxula chapa Tancredo-Sarney, daí advindo a fatídica consequência, com Sarney, egresso do partido Arena, que representou a ditadura, assumindo o poder.
Como fruto do efeito Sarney, emergiu um monstrengo cujos tentáculos açambarcam há décadas os cargos-chave em todos os níveis de governo no país, o PMDB, fazendo do honrado MDB de dr. Ulysses apenas uma sombra difusa do passado.
Mas isso foi um acaso. Não vem ao caso.
Não, no Brasil não há conspiração, como dela não se tratou o Mensalão, que desconstruiu a mística heroica da brava gente brasileira de 68, de que tanto nos orgulhamos. Aqueles que, esfacelados no corpo, não estavam mais entre nós; aqueles que, dilacerados na alma, resistiram e retornaram ao país para cumprir seu projeto de um Brasil mais justo.
Mas o Mentirão, mesmo condenando sem provas, mesmo condenando e depois descondenando, mesmo seu encapado mor se desencapando, ao fim do processo, para ir viver o far niente em praias internacionais, não foi uma conspiração, pois delas estamos imunes.
Sorte temos nós por não termos conspiradores e de ser por acaso que uma investigação em primeira instância hoje desmonta a nossa economia e demole a construção civil, empregadora de um milhão e meio de brasileiros – não vem ao caso, não se trata de uma conspiração.
Como não vem ao caso a empresa que significa 10% de nosso PIB ser sistematicamente perseguida, bombardeada pelos órgãos de comunicação, omitindo-se todas as suas novas conquistas e méritos atuais para se valorizar apenas erros e desvios anteriores.
Não vêm ao caso a soberania brasileira, os empregos, a perda de ativos que significa o desmonte de equipes técnicas e científicas construídas ao longo de décadas nos setores petrolífero, nuclear, de engenharia civil e pesada. Não, não vêm ao caso.
Conspira-se contra o Brasil? Não, isso não está em questão.
Na verdade, o que me parece que efetivamente não vem ao caso são as múltiplas conquistas sociais desta última década e meia em prol do Brasil e dos brasileiros.
Vêm ao caso os interesses de uma classe dominante inconformada por não se manter em completo controle de todas as situações de poder no Brasil, para delas obter absoluto proveito pessoal.
E assim tem sido desde o Brasil Colônia.
Enfim vislumbramos a luz no fim do túnel, e o povo brasileiro desejará continuar a vê-la. Desta vez, isso virá ao caso.
Desta vez, não será fácil, mesmo com uma grande conspiração, tapar o sol com a peneira de trama cerrada, com que pretendem impedir a nós, o povo, de enxergarmos um futuro luminoso.
Por isso estamos aqui. Para unir a nossa voz aos que clamam para que não haja golpe – porque o povo brasileiro há de continuar a querer ver a luz da JUSTIÇA SOCIAL.
É ela que vem no fim do túnel tão celebrado!
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O texto acima foi a palestra proferida pela jornalista e blogueira, esta semana, por ocasião da mesa de debates do Ciclo “Que país é este?”, promovido pelo Centro de Estudos Barão de Itararé, cujo tema foi “A democracia e o sistema político no Brasil”, na Fundação Escola de Sociologia e Estudos Políticos de São Paulo. A mesa contou com a presença do jurista Fábio Konder Comparato, Magda Blavaschi, desembargadora aposentada e doutora pela Unicamp, Gilberto Carvalho, presidente do Conselho Nacional do Sesi.
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